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GERALDO PRADO, DE OSCIP BIBLIOTECA DO PAIAIÁ, FALA SOBRE OS SEGREDOS DE SUA PROFISSÃO

Interview
- Qual é a sua história pessoal? Como você se tornou proprietário ou gerente do negócio?
- Uma síntese da minha história. Geraldo Moreira Prado. Historiador. Mestre e PhD em Ciências Sociais Aplicadas (Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade), Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Ciência da Informação do IBICT/UFRJ e Pesquisador do IBICT/CNPq. Nasci e me criei na roça, num lugar de nome Brejo Grande município de Nova Soure, no sertão semiárido da Bahia-Brasil, e jamais me esqueçi da primeira vez que entrei numa biblioteca. Foi no final dos anos de 1954 em Salvador – Bahia, porque no interior não existiam bibliotecas públicas. O meu primeiro encontro com tantos livros marcou para sempre a minha vida. Quando concluí o primário já tinha de 15 para 16 anos de idade, ganhei o meu primeiro livro: À sombra do arco-íris, do Malba Tahan. Uma série de fragmentos de histórias árabes. Eu achava que o autor fosse um árabe, só depois descobri que era brasileiro, se chamava Júlio César e era professor do Colégio Pedro II, no Rio. Este livro foi presente da Profa. Maria Ivete Dias, mãe da cantora Ivete Sangalo. No dia 31/03/2013, no Programa Esquenta de Regina Casé entreguei-o a cantora Ivete Sangalo (http://coisasdojunco.blogspot.com.br/2013/04/regina-case-ivete-sangalo-e-biblioteca.html) para ela passar ao seu filho, e espero que aconteça com ele o mesmo que aconteceu comigo: despertar o amor pela leitura. Outra professora dessa mesma escola, com a qual eu não tive aulas, mas ela notou que eu gostava de ler, me deu outro livro que foi a minha paixão: Através do Brasil de Olavo Bilac e Manuel Bonfim. Eu lia esse livro e parecia que estava viajando. Guardo-o até hoje. Naquela época eu queria estudar, mas não tinha condições financeiras, porque para fazer os cursos fundamental e médio onde morava teria que ir para uma cidade grande, e a minha mãe que havia ficado viúva, criava cinco filhos e o que produzia na roça mal dava para o sustento básico da família. Havia a possibilidade de fazer um curso por correspondência, e havia em São Paulo o Instituto Universal Brasileiro. Resolvi fazer um curso de rádio por correspondência, mas não deu certo. Tentei fazer o antigo ginásio, também por correspondência. Estudei um pouco, mas também não deu certo. Decidi ir para São Paulo onde o meu cunhado era zelador de prédio na rua Santa Ifigênia, no centro velho da cidade, atual cracolândia, e fui trabalhar com ele de porteiro e faxineiro. Comecei a estudar. Isso era no final da década de 1950 inicio de 1960. A viagem para São Paulo não foi fácil: doze dias num caminhão chamado de pau-de-arara porque era coberto com uma lona e os bancos eram de madeira sem almofadas. O caminhão parava à noite em lugares ermos. Dormíamos em redes ou em esteiras na carroceria ou embaixo do caminhão. Não tomávamos banho todos os dias. Me recordo que tomei um banho em Vitória da Conquista – Ba., dois dias depois outro em Governador Valadares - MG, e uns quatro dias depois quando cheguei em São Paulo. Chovia muito e as estradas eram lamacentas e escorregadias. Só tinha asfalto do Rio de Janeiro pra São Paulo. As estradas da Bahia e de Minas Gerais eram de barro e esburacadas. Cheguei em São Paulo com 21 anos de idade e fiquei até os 23 trabalhando como faxineiro no prédio que o meu cunhado era zelador, como disse acima, sem Carteira de Trabalho assinada. Fazia faxina durante o dia (detestava fazer faxina) e à noite era porteiro. No final da tarde, durante a folga da faxina até começar o trabalho de porteiro, aproveitava para fui fazer cursos de auxiliar de escritório, datilografia e taquigrafia, e com esses cursos arrumei emprego na Companhia de seguros Atalaia, Paraná e Ouro Verde, e tive pela primeira vez a minha Carteira de Trabalho assinada. Com o salário mínimo garantido e morando num Cortiço na rua Japurá perto da Praça da Sé, passei a frequentar livrarias e alfarrábios e comprar livros. O primeiro livro que comprei em São Paulo foi uma gramática de latim de Napoleão Mendes de Almeida, nem imagino porque eu fiz isto. Comecei a fazer o curso de Madureza ginasial (atual supletivo do fundamental) e o cientifico (atualmente o supletivo do médio). Meu sonho era ser médico. Eu estava com 21 anos, não tinha ainda nem terminado o fundamental. O tempo passava, eu estudava, consegui fazer os cursos ginasial e o colegial (médio). Aí já estava com 23 para 24 anos e pensei: “Vou fazer vestibular pra Medicina”. Já havia saído do emprego da Cia de Seguros e estava trabalhava numa fábrica, em Osasco, a Braseixos Rockwell. Levantava às quatro da manhã pra pegar o ônibus no viaduto Maria Paula, no centro de São Paulo e ir trabalhar em Osasco. O turno de trabalho era das 06:00 h da manhã às 16:30h, com 30 minutos para lanche e uma hora e meia para almoço. O ônibus da empresas saía de Osasco às 17:00 h e chagava em São Paulo às 18:00 h. tomava um lanche e em seguida ia para a escola estudar das 18:30 h até às 22:15 h. O curso ficava 15 minutos de onde eu morava e chegava diariamente em casa às 22:30 h, tomava banho e ia dormir normalmente às 23:00 porque às 03:40 do dia seguinte teria que está no ponto para não perder o ônibus que passava pontualmente nesse horário. Era o ano 1964. O país estava passando por um forte período de turbulência política. Inscrevi-me no vestibular de Medicina da USP, mas não passei. Naquela época eu já militava na política operária. Ia todos os sábados à biblioteca Mário de Andrade discutir e ler sobre política com um grupo de amigos do pré-vestibular e do cortiço onde eu morava. Aos sábados à noite íamos para a boemia: jogo de bilhar na chamada “boca do lixo”, clube de xadrez na rua Araújo e gafieira na rua Quintino Bocaiúva ao lado da Praça da Sé. Passei a atuar politicamente na Juventude Socialista Brasileira. Prestei o vestibular, mas não passei na medicina. O meu sonho era entrar na universidade e prestei vestibular, dessa vez em Línguas Orientais na USP: português e chinês. Eram trinta vagas oferecidas e só tinha eu de candidato. Entrei no primeiro e no último lugar. Só que a aula de chinês era dada em inglês por um professor chinês que não falava português e eu também não sabia falar inglês. Conclusão: não aprendi inglês, muito menos chinês. Eu era bastante ativo e tinha tempo para participar de tudo: estudar, namorar, fazer política estudantil, operária, sindical, lutar contra a ditadura civil-militar implantada no Brasil em 1964, e vária outras coisas mais. Em 1967 fui mandado embora da Braseixos por questões políticas. Nesse mesmo ano me transferi do curso de chinês para o de História, na USP. Dez anos depois fiz mestrado em Desenvolvimento Agrícola, na Fundação Getúlio Vargas do Rio/Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Em seguida fui morar em Brasília, trabalhando no CNPq, e em seguida fui mandado para Recife. Em Olinda conheci uma dinamarquesa, a Tine, nos casamos no Paiaiá e a família dela veio para o casamento. Aquele foi a primeira vez que a população daquela comunidade teve contato direto com estrangeiros. Voltei a morar no Rio de Janeiro, participei da criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins – Mast/CNPq, da Fundação Polo BioRio/UFRJ, e daí fui para o Instituto Brasileiro de Informação em C&T – IBICT, que tinha um convênio com a UFRJ. Virei professor da pós-graduação em Ciência da Informação. Nesse interim fiz meu doutorado em Ciências Sociais Aplicadas (Desenvolvimento Agrícola) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Em 2001 meu irmão mais velho morreu no Paiaiá, e fui visitar a sua família, parentes e amigos. Lá encontrei um sobrinho, José Arivaldo, então com 16 anos. Ele tinha interesse em mexer com livros, havia me pedido alguns. Perguntei a ele: “E se a gente criasse uma biblioteca aqui?” Ele respondeu: “Ah, eu acho bom, eu toparia.” Criamos a biblioteca e oficializamos em Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), com CNPJ e toda a documentação oficial exigida. O público da biblioteca aumentava, as escolas não tinham os livros atualizados e os alunos passaram a frequentá-la diariamente. Transformou-se num tipo ponto de encontro. Alguns alunos que estavam acabando de fazer o ensino médio começaram a estudar na biblioteca para se preparar para o vestibular em Salvador e Aracaju. Hoje muitos deles já estão formados e dizem ter orgulho de terem nascidos em uma comunidade que tem a maior biblioteca comunitária rural do mundo e que também é a segunda particular do mundo de acordo com o que aparece na Internet (ver http://www.rankbrasil.com.br/). Passei a sentir que o amor de apenas possuir o livro como um bem, um patrimônio deixava muito a desejar. O livro precisa do seu complemento: a leitura. E assim passei a trabalhar com leitura, com mediadores de leitura e capacitação de professores do ensino fundamental e médio das escolas rurais. Capacitamos até agora 136 professores. O processo de juntar livros continua e o espaço no qual a biblioteca funcionava não dava mais. Resolvi comprar uma casa. Vi uma que estava à venda na comunidade e tinha pertencido a um parente que a trocou com uma cela de cavalo há uns trinta anos atrás, e me vendeu por R$ 2.000,00 (dois mil reais) em 2004. Mesmo assim a casa não cabia os livros e terminei comprando a casa vizinha, mas continuou não cabendo, resolvi fazer três andares atrás. Continuo comprando e ganhando livros no Rio de Janeiro e estocando no meu apartamento e em duas salas alugadas em Botafogo. Tinha ainda mais ou menos uns 10 mil volumes que foram transportados depois para a biblioteca. Contei com apoio de muitas pessoas físicas e jurídicas para ajudar nos transportes de livros, entre outras a Viação Itapemirim, a Transportadora TNT Mercúrio, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, a Fundação Biblioteca Nacional, o Professor Antônio Cândido de Mello e Souza e a Profa. Walnice Nogueira Galvão e muitos outros. Mesmo assim continua faltando dinheiro para pagar o transporte, dinheiro para fazer a adequação do espaço, dinheiro para pagar pessoal para fazer a gestão, para fazer a catalogação no computador etc., porque todos que lá trabalham são voluntários. Já que falei em grandezas, a biblioteca é, segundo a professora Walnice Galvão disse no seu artigo “O tesouro no sertão” publicado na Revista Livro n0 01 (Editora Ateliê), que é a maior biblioteca comunitária do mundo instalada numa comunidade rural. E queremos que isso ajude a mudar algumas coisas: quem sai do Paiaiá vai ser trabalhador na construção civil, porteiro de prédio, motorista de ônibus, ou então, como lamentavelmente já aconteceu no passado e continua acontecendo nos dias atuais, entra na marginalidade social. Vamos criar um trabalho um pouco diferente, mais suave pra eles? Se saírem, trabalhar com certa dignidade, não ser desse jeito tão sofrido como é para o pessoal que vive aqui. Não me tornei médico nem escritor que eram as duas metas principais, mas a minha grande obra se deu no local onde nasci (povoado de São José do Paiaiá) a partir do momento em que comecei a instalar a Biblioteca Comunitária Maria das Neves Prado (a popular biblioteca do Paiaiá), em 2001, inicialmente com 12 mil volumes. Ela não ficou estacionada no tempo, como a maioria absoluta fica. E como qualquer coisa viva e ativa, cresceu e continuará crescendo. Hoje já conta no seu acervo com cerca de 120 mil volumes de livros e de 15 mil periódicos em diferentes idiomas e domínios do conhecimento, e já se tornou uma referência entre as bibliotecas comunitárias e públicas do interior do Brasil, incentivando não apenas a população do meio rural, mas também as populações das cidades do interior a entrar em contato com os livros, a leitura e as culturas (clássica e/ou popular) de uma maneira geral, contato esse que eu não tive o privilégio de tê-lo na minha infância. Este ano de 2014 a Biblioteca está comemorando 10 como pessoa física (OSCIP), e já conta com uma presença de relativa para boa na mídia. Para comemorar esses dez anos de muito trabalho e orgulho, de 4 a 7 de dezembro se realizará, em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana e várias outras instituições de ensino e pesquisa do território nacional no povoado no qual a Biblioteca continua “brilhando”, o I Encontro sobre Livros, Leitura e Inclusão Social no Território Nordeste II da Bahia". Nesse evento terá palestra com o escritor Antônio Torres da Academia Brasileira de Letras (ABL), homenagem ao também acadêmico da ABL Ariano Suassuana falecido recentemente, oficinas de Contação de História, oficinas de Criação de Histórias em Quadrinhos através de Software, atrações culturais com crianças e adolescentes e distribuição de 15 mil gibis para as crianças (ver http://encontromulticulturalpaiaiablogspot.com.br)
- O qué é o que os clientes exigem atualmente?
- A clientela da organização que eu criei em sua maioria é crianças e adolescentes, mas também temos adultos e pessoas da Terceira Idade. Entre estes segmentos, os clientes mais exigentes são crianças e adolescentes que sempre estão reivindicando computadores, melhoria da internet, aumento da potência do wi-fi, mais livros de histórias em quadrinhos, melhoria do local de jogos e dos próprios brinquedos, ampliação do espaço da biblioteca e mais coisas similares. O problema é que não tenho recursos financeiros para atender tais reivindicações, mas elas precisam urgentemente serem atendidas para não estragar a imagem que a Biblioteca já tem na mídia. ver sites abaixo: https://www.youtube.com/watch?v=auhkbvpezHU https://www.youtube.com/watch?v=oPKB3XILJQc https://www.youtube.com/watch?v=SG38U1KNmMc https://www.youtube.com/watch?v=8Onl8DY-s20 https://www.youtube.com/watch?v=DfzjIMDbxF8 http://encontromulticulturalpaiaia.blogspot.com.br/ http://bibliotecadepaiaia.blogspot.com.br/ https://www.facebook.com/biblioteca.dopaiaia?fref=ts
- Qual é sua dica para sobreviver à crise?
- Não tenho receita pronto, no caso da Biblioteca é conseguir algum apoio financeiro, certamente por meio de projetos apresentados em editais, mas isto está a cada ano que passa cada vez mais difícil, pois o Poder Público está em crise e o empresariado brasileiro, ao contrário do americano, não têm prática nem tampouco boa vontade de doar recursos a fundo perdido para organizações sociais.
- Quais são as marcas que você vende mais em seu negócio (ou você usa para fornecer os seus serviços) e por quê?
- Nos não temos negócio comercial, a nossa atividade é social, atender pessoas carentes no apoio à leitura e à cultura.
- Qual é a última coisa que você tem feito para se diferenciar da concorrência?
- Não trabalhamos com o espírito de concorrência, mas de compartilhamento solidário através das redes sociais.
- Você sempre realizou a sua atividade atual? Você se desenvolveu em outro ramo de atividade?
- Desenvolvi outras atividade conforme já apresentei sucintamente no primeiro item desta entrevista.
- Qual é o tipo de cliente que você tem?
- Já foi dito acima.
Autor: Geraldo Prado